quinta-feira, 16 de junho de 2011

Saúde nos discursos midiáticos: viva sem menstruar

Na “sociedade da informação”, e seu complexo poder/conhecimento, a relação mídia-saúde tem demandado amplo debate. Como confirma Ricardo Santos no artigo “A TV e o plantão médico eletrônico”, neste Observatório (ed. 644), “num país em que a maioria não tem acesso à saúde e à educação de qualidade”, a TV atua como fonte de “informação” (em alguns contextos, a principal fonte). Para ele, os “especialistas midiáticos devem [...] orientar e modificar comportamentos relacionados à saúde”.


Tais “especialistas” estão oferecendo “conselhos” pela TV de modo cada vez mais disseminado, seja em programas específicos sobre saúde, como o Bem Estar, da Globo, dentre tantos outros; ou em programas diários e semanais que não abordam somente o tema específico, mas reservam quadros para conselhos sobre saúde. O problema é que, como bem observa Bueno (2001: 171), ciência, tecnologia e informação são mercadorias valiosas na sociedade da informação e, por isso, “se atrelam a um espectro amplo de interesses e compromissos, marcado pela ação de lobbies e de sistemas de controle que visam garantir privilégios”.


Para o autor, a comunicação científica tem se tornado cúmplice de interesses econômicos e comerciais, atuando como porta-voz de indústrias, governos, institutos de pesquisa, de maneira que fica cada vez mais “difícil distinguir, no noticiário, também no de caráter científico, os limites entre a informação e o marketing, podendo ser identificados com alguma frequência, na mídia, releases de imprensa emitidos por empresas e entidades, travestidos de notas e notícias confiáveis”.


Insegurança e ansiedade

Como exemplo, relembra as divulgações das “insistentes descobertas de medicamentos revolucionários (Prozac, Xenical, Viagra etc.), cases de marketing farmacêutico vendidos pela mídia como autêntica informação científica” (Bueno, 2001: 176).Só para lembrar, a indústria de medicamentos está entre as mais lucrativas do mundo, e investe, oficialmente, muito mais em publicidade do que em pesquisa e desenvolvimento (Angell, 2007).

No caso dos medicamentos, além da relação estreita entre mercado e informação, é preciso considerar ainda os esforços para driblar a regulamentação sanitária (RDC 96/2008) sobre o conteúdo das publicidades de medicamento; ressalte-se, regulamentação curiosamente suspensa há dois anos por liminar concedida à Febrafar, Associação de Redes de Farmácia, após manifestação da AGU – órgão de defesa do Estado – pela ilegalidade da RDC.


Essa pressão, decorrente da necessidade de controlar riscos em saúde, acarretou novos hibridismos discursivos em matérias jornalísticas de saúde, cada vez mais voltadas para fins promocionais, ainda que estrategicamente dissimuladas (Ramalho, 2010; Ramalho & Resende, 2011).


Já existe ampla literatura que reconhece o apelo capitalista ao “corpo do/a consumidor/a” – objeto de culto e investimento, alvo da oferta extensiva de produtos e serviços de saúde pelos meios de comunicação (Barbosa & Campbell, 2006; Bauman, 2001; Silva, 2000). Mesmo em países em desenvolvimento, a empresa médico-hospitalar, assim como a publicitária, mostra ter interesse direto na ampliação do mercado consumidor e, para isso, alimenta desejos pela suposta perfeição e excelência em saúde (Barros, 2008; Bauman, 2001; Ramalho, 2010).

A “indústria do bodybuilding” – medicamentos, alimentos, cosméticos, vitaminas, suplementos, academias de ginástica – conta com a publicidade disseminada como informação para “produzir” e “sustentar” o/a consumidor/a de produtos e serviços para saúde. De “padrão delimitável”, a saúde passa cada vez mais a ser representada como “ideal inalcançável”, pós-humano, o que implica ter um corpo indefinidamente flexível, ajustável aos interesses do capital.

Como um ideal, situado na fronteira humano-máquina, a saúde nunca é completa ou definitivamente alcançada. Assim, a busca obsessiva pela “saúde perfeita” costuma ser marcada pela insegurança e ansiedade, convertendo-se na própria patologia (Illich, 1999; Silva, 2000).


Uma avalanche de publicidade


Nesse contexto, cabe questionar a responsabilidade social da TV e dos “especialistas midiáticos” na “orientação de comportamentos relacionados a saúde”. Para exemplificar o problema, tomemos o caso da campanha “Viva sem menstruar”, em divulgação na TV com indicação de “visita ao site”, o qual, em fundo rosa, declara “Não menstruar. Você conquistou esse direito”, e oferece:


“Direito a não sofrer com os sintomas da TPM;
Direito de viver com menos cólicas; Direito a um corpo sem tanto inchaço; Direito a não sofrer tanto com seios doloridos; Direito a uma pele com muito menos acne”


Quando em vigência, a regulamentação de publicidades de produtos de saúde coibia esse tipo de prática “indireta” de divulgação de medicamento de venda sob prescrição médica, que pode ser exemplificada também pela matéria “Meninas atrasam menstruação para ficar mais altas” (Folha online, Equilíbrio e Saúde, 6/6/2011). Se, de fato, a mulher tem a opção de não menstruar, sem que isso seja uma imposição da mídia, o/a telespectador/a ou leitor/a tem o direito de receber informação confiável sobre assuntos de saúde, e não uma avalanche diária de publicidade entremeada à informação.

Acesse:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/saude-nos-discursos-midiaticos-viva-sem-menstruar

Fonte: Observatório da Imprensa